Por Alan Marques
Ao mimetizar armas, inaugurou o símbolo vitorioso, a teatralização do espírito de parte da sociedade
No dia 19 de agosto de 2015, fiz a imagem do deputado federal Jair Bolsonaro, na época no PP, ao lado do deputado Alberto Fraga (DEM) comemorando, após votação na Câmara dos Deputados, a redução de 18 anos para 16 anos da idade mínima para imputação penal no caso de crime hediondo, homicídio doloso e lesão corporal. O gesto que imita armas com as mãos ao lado do seu grito de guerra “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” se tornariam símbolos de sua vitoriosa campanha para a Presidência da República.
A foto sintetizava a notícia em uma imagem e trabalhava a estética ao refletir sobre o sentido moral daquela votação. Porém, o instantâneo não revelou, naquele dia, a realidade desconhecida, por mim e pelos leitores, de que ali se inaugurava a construção da imagem e da reputação política que levaria Jair Messias Bolsonaro ao Palácio do Planalto.
O capitão reformado entendeu que, em 2018, sairia vitorioso aquele que compreendesse que a corrida pela presidência havia se transformado em um espetáculo pós-moderno onde nada é real e que, sobretudo nas campanhas políticas, performances eram suficientes. Outro exemplo forte nesse sentido aconteceu na ação de comunicação equivocada do PT ao evocar “Fernando Haddad é Lula, Lula é Haddad”, uma tentativa de consolidar no ex-prefeito paulistano personalidade performática do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
De volta à fotografia, Bolsonaro, ao mimetizar armas, inaugurou ali o símbolo vitorioso de sua campanha, a teatralização do espírito de parte majoritária da sociedade brasileira e o espetáculo promovido pelo gestual que se assemelhou, para muitos, ao sofrimento e à revolta contra um sistema político corrupto e incompetente.
Em uma eleição sobrecarregada de informação e de candidatos, a fotografia de Bolsonaro ofereceu um modo rápido de comunicar uma ideia e uma forma compactada para o eleitor memorizar todo um discurso político-ideológico. O espetáculo promovido pela fotografia-símbolo de Bolsonaro, mesmo sendo um registro e testemunho do real, conectou, de forma antagônica, as pessoas a questões morais e estéticas que antes se formavam apenas no universo da abstração.
Susan Sontag, de quem me inspirei no título, diz “As imagens paralisam – As imagens anestesiam” ao se preocupar com a saturação do ver, da representação fotográfica da violência e da divulgação pela mídia do horror dos combates. Ao se analisar a imagem, repetitivamente usada, de Bolsonaro imitando armas com os dedos, é preciso refletir sobre a banalização do pensamento de que tudo pode ser resolvido com violência.
Já é possível ver que o presidente eleito Jair Bolsonaro está reformulando a própria imagem para o perfil de estadista e governante de todos e se distanciando do candidato bonachão. Mas o que preocupa é o posicionamento de quem detém o pequeno poder e se sente apoiado pelo discurso das armas imaginárias de Bolsonaro. Como disse Pedro Aleixo, vice-presidente do governo do general Costa e Silva, ao discordar do Ato Institucional nº 5/ 1968 do regime militar “presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem como o senhor governa o país. O problema é o guarda da esquina”.
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