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“Eu sou a Constituição”

Por Vivaldo de Sousa |


“A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta” é uma frase atribuída a Júlio César, que governou Roma de maneira autoritária.  Eleito para a posição de pontífice máximo no ano 63 antes de Cristo, César usou esse frase no ano seguinte para justificar a separação de Pompeia, de quem se divorciou afirmando que “minha esposa não deve estar nem sob suspeita”.


Em 62 a.C., Pompeia realizou em sua casa, em homenagem a “Bona Dea” (boa deusa) um festival exclusivamente para mulheres. Mas o evento foi invadido por Públio Clódio Pulcro, que, disfarçado de mulher, parecia tentar seduzi-la. Foi pego e julgado, mas inocentado em decorrência de César não ter apresentado qualquer evidência contra ele.  Mas mesmo sem provas, ele se divorciou de Pompeia.

Séculos depois, a frase “Je suis la Loi, Je suis l’Etat; l’Etat c’est moi” (Eu sou a lei, eu sou o Estado, o Estado sou eu) foi atribuída ao rei Luís XIV da França. Mesmo sem comprovação histórica, a frase teria sido dita durante discurso no Parlamento em abril de 1655 como uma maneira de destacar que o poder estava única e exclusivamente nas suas mãos, apesar das discordâncias entre o monarca e os parlamentares. Era o período do absolutismo.


Na época, Luís XIV, que assumiu o trono com pouco mais de 11 anos, entendia que cabia a ele o controle de todos os aspectos do seu território e da vida das pessoas, inclusive da gestão do espaço público e da decisão sobre o funcionamento do comércio e demais atividades econômicas, sem qualquer tipo de questionamento ou posição diferente. Assim como muitos governantes, ele se achava o dono da razão.


O cenário mudou com a revolução francesa que, ao lado de outras conquistas nos séculos seguintes, mostrou ao mundo ocidental a importância dos valores  democráticos, da escolha dos governantes e representantes pelo voto direto, da tomada de decisões baseadas na ciência e na razão e da busca de um mundo menos desigual e mais solidário. Mas, infelizmente, situações como as vividas por Pompeia e pelo Parlamento francês no século XVII ainda aparecem no século XXI.


Para alguns, a democracia não parece ser vista como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para os seus objetivos políticos. A democracia poderá ser descartada, ainda que parcialmente, quando já não for útil. A um governante que se diz democrático, não basta ser democrático, deve parecer democrático e defender a Constituição,  que é uma conquista de toda a sociedade brasileira.


Lembrei dos dois episódios citados nesse texto após as declarações feitas neste domingo (19) e nesta segunda-feira (20) pelo presidente Jair Bolsonaro sobre sua participação e apoio a manifestações pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal). Estar atento aos valores democráticos e lutar para preservá-lo é uma obrigação que temos com o nosso passado e com o nosso futuro.


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